Por mais que corresse, o sono não o estava alcançando. No instante próximo à dormência total algum pensamento lhe vinha incomodar novamente. Contou tantas ovelinhas que elas não mais cabiam no quarto, e já estavam cansadas de tanto pular cercas de nuvem. Estava embriagado.
O sabonete derretia as confissões. O sono não se espantava com a água. Os pensamentos resistiam à sonolência.
Nos seus olhos a figura móvel do menininho que lhe vendou drops no sinal, ainda estava fixa. Aquelas balas tinham um sabor diferente. Tinham a tristeza e o pedido de ajuda que a visão do menininho transparecia. Tinham gosto de pólvora. Revoltou-se e discursou sobre o aumento abusivo da social injustiça para os bancos do carro. Recordou-se de tantos autores que já explicaram esse fenômeno e que ele mesmo tinha suas próprias teorias.
Na fila do caixa eletrônico discutiu com uma elegante senhora sobre a péssima condição do país, alegou que isso só acontece porque ninguém se importa.
O menininho o intrigava. De que adiantava suas teorias de páginas, os certificados de quilos e as palestras de horas se o menininho ainda estava vendendo estranhos gostos de balas no sinal?
Lembrou do gosto da bala. Fechou o chuveiro. Ocorreu-lhe que esse gosto poderia ser devido falta de higiene na fabricação das balas. Pensou no quão irresponsável foi em comer algo sem saber a procedência. Esperou que não lhe fizesse mal; afinal, amanhã seria o lançamento do seu novo livro sobre o aumento da desigualdade e exploração do trabalho infantil. Tomou um chá.
Dormiu, afinal estava embriagado. Embriagado pelas ideologias.
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006
Indiferentes indiferenças
Tocplocado por
Dalila Floriani
às
01:05
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Um comentário:
o problema vai ser a ressaca...
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